No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com o arquiteto Francisco Aires Mateus sobre as residências assistidas em Alcácer do Sal. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Os nossos ouvintes vão achar que a voz do nosso convidado de hoje é muito familiar e isso é porque já estivemos à conversa com o seu irmão, Manuel Aires Mateus, sobre o edifício da EDP. Depois de ouvirem este podcast, poderão ouvir [o outro episódio].
Francisco Aires Mateus: Confrontar! (risos)
SN: Confrontar as vozes (risos). E saberem as histórias também por detrás deste edifício da EDP. Há uma coisa que eu tenho muita curiosidade. Vocês têm este trabalho de parceria, trabalham em conjunto, mas, por exemplo, eu hoje estou aqui no seu atelier, Francisco, e o Manuel tem outro atelier. Porque é que vocês trabalham em ateliers separados? E depois também há outra curiosidade que eu tenho: qual é a vossa função dentro desta colaboração? Cada um fica com o seu projecto, ou um trabalha mais sobre o projecto e outro trabalha mais com os clientes? Como é que funciona?
FAM: Se calhar começava aqui um bocadinho pelo princípio. Nós tínhamos o atelier juntos. Começámos ainda dentro do atelier, quando trabalhávamos os dois com o Gonçalo Byrne, que teve a generosidade de aceitar que nós começássemos a ter um atelier dentro do atelier dele e nos foi encorajando a andar para a frente até que, de maneira mais ou menos natural, nos automatizámos e saímos. Passámos depois a ter umas colaborações já com o atelier externo com o Gonçalo Byrne. Foi uma relação, eu diria, quase filial, [como o] filho que sai de casa, mas não deixa de falar com os pais. E tínhamos o atelier perto do Gonçalo Byrne, [que ficava] no Largo do Rato, e o nosso [situava-se] na Calçada Bento da Rocha Cabral, que é em frente. De janela para janela, conseguíamos ver-nos. Continuámos a estar sempre bastante juntos, como estamos ainda algumas vezes hoje em dia.
E tivemos este atelier, mas, de repente, o atelier começou a crescer e era preciso tomar uma decisão: ou nós tomávamos uma posição de maior liberdade e continuávamos a poder ter aquilo a que chamávamos um atelier; ou tínhamos que, de alguma maneira, começar a ter uma coisa mais próxima daquilo que é uma empresa de arquitectura. Sem nenhum desrespeito [pelas empresas], mas são coisas diferentes.
Desde logo, uma empresa, aquilo a que se chama uma empresa – embora os nossos ateliers sejam empresas, mas uma empresa no sentido que eu estou a falar – é uma coisa que tem a óbvia necessidade de procurar lucro e não se pode dar ao luxo de desperdiçar a ideia de perseguir lucros, ou pelo menos um bem-estar financeiro suficiente. E nós queríamos afastar-nos dessa falta de liberdade, que é a de andar atrás de lucro. Resolvemos fazer dois ateliers e assim também conseguir responder melhor a trabalhos de dimensões diferentes. Fazendo estes dois ateliers, continuámos sempre a trabalhar juntos, a dar aulas juntos. O que isto quer dizer é que nós temos dois ateliers, mas temos uma investigação que é rigorosamente a mesma. Continuamos até hoje a fazer trabalhos juntos. Posso-lhe dar dois exemplos. O concurso da EDP começou aqui neste atelier e depois passou para o atelier do Manuel por uma questão de escala e por uma questão de oportunidade de tempo. O concurso do Museu de Lausanne começou neste atelier e depois eu nitidamente passei para o atelier do Manuel. Já não estava a correr bem, estava com uma pressão grande de trabalho aqui e achei que o Manuel teria muitas mais capacidades na altura para...
SN: Abraçar esse projecto.
FAM: Sim. [Para] responder àquele concurso que viemos a ganhar. Para lhe dar agora um exemplo mais actual: estamos a fazer duas casas. Uma [delas situa-se] neste território da Casa Wabi, no México. Este território todo começa com a instalação para o artista Bosco Sodi. Fica perto de Puerto Escondido, no sul da Argentina, no Pacífico. Na Argentina... Peço desculpa, [queria dizer] no México. Já no Pacífico, começa com a instalação do Tadao Ando, que é o que dá início a esta coisa e depois há um território relativamente largo sempre sobre a praia e nós temos a última casa.
SN: Isso é o percurso?
FAM: Não. É um bosque onde há algumas casas. [São] poucas. [Existem] dois hotéis e há vários arquitectos e agora convidaram-nos para fazer esta outra casa. Fora das casas, há uma instalação do Siza que se destina a questões de ensino. Eles trabalham muito com as comunidades. É um ponto de encontro das comunidades para fazerem olaria e uma série de trabalhos. Tem um forno enorme com uma chaminé gigante. É um projecto muito bonito do Siza. Há mais uma série de outros projectos. Há a Casa das Galinhas, do Kengo Kuma.
SN: A Casa das Galinhas! (risos)
FAM: É absolutamente extraordinária. Eu acho que é dos melhores trabalhos do Kengo Kuma. Tem assim uma série de coisas. Existe uma instalação para uma zona de reciclagens com uma central de compostagem do Solano Benítez, [que tem] mais outra arquitecta associada, cujo nome não me lembro. Vão tendo algumas coisas assim e depois tem uma série de casas de um arquitecto mexicano bastante conhecido, o Kalach, que depois tem umas follies, que são umas termas. O território todo é bastante interessante, muito amável. É uma natureza luxuriante, em cima da praia.
SN: Nós não estamos a ver, mas estamos a imaginar tudo. Eu, pelo menos, já viajei até ao México e até todos os projectos que está a descrever.
FAM: É delicioso. As casas não se vêem umas às outras e tudo aquilo é simpático. E tem uma coisa que, para nós, foi uma surpresa absolutamente extraordinária. Eu já tinha estado várias vezes no México a fazer trabalhos, que depois não seguiram para a frente, mas ali particularmente é extraordinário, para nós arquitectos, porque não há nada desta burocracia sufocante que nós temos aqui e que só piora.
SN: Sente que há uma liberdade maior?
FAM: Muito maior. As escadas não têm de ter guardas, não têm de ter largura nenhuma. Têm a largura que o arquitecto quiser que a escada tenha.
SN: A natureza também não tem guardas, não é?
FAM: Exactamente. Há sempre aquela graça que em Veneza para os canais só caem os suíços, não é? (risos)
SN: Ai é? Mas porquê os suíços?! (risos)
FAM: Não sei! (risos)
SN: Se calhar têm mais regras e mais protecções.
FAM: Exacto. Estão habituados e quando não há uma protecção caem, mas só caem os suíços. (risos) Esta é uma graçola parva, mas...
SN: Isto é para antecipar Veneza. A piada teve contexto.
FAM: Mas de facto é extraordinário nós podermos ali fazer o que quisermos.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.